Collares Viúva Gomes Reserva Tinto 1967

Característica diferenciadora: Um bocadinho de História de Portugal Vinícola.

Preço: Não aplicável.

Onde: Garrafeiras especializadas… e particulares.

Nota pessoal: 18.5

Comentário: Parece-me óbvio compreender o misto de excitação com apreensão com que se abre uma garrafa de 1967… excitação, pois estamos a falar duma garrafa que está fechada há mais anos que muitos de nós que lemos estas linhas… Pensar que quando esta garrafa foi engarrafada, não existiam por exemplo telemóveis… que viviamos em Portugal num regime governativo diferente… havia menos carros nas estradas dum concelho como o que vivo, do que provavelmente num parque dum centro comercial actualmente na semana do Natal…Beber isto é pensar que os carros não tinham injecção electrónica… Havia 2 canais… Nem sei se a cores. Havia menos carros que telefones fixos… Telemóveis, nem em sonhos. Um telecomando era só com uma fisga. Percebem a excitação? Excitação também pela curiosidade natural que temos em analisar como estará 46 anos após ser “feito vinho”… excitação, por ser de Collares… a apreensão advém apenas do facto de poder estar “morto” e imbebível!

Bom… Abra-se! Rolha escura, ligeiramente húmida… dificil… mas saiu… aos bocados, mas saiu!

Cor incrivelmente rubi!  Ligeiros laivos atijolados, mas predominantemente rubi.

Aromas iniciais de armazém de produtos químicos… Aromas de laboratório de físico-química das aulas do secundário! Pelo menos da escola que frequentei… e não era por terem lá garrafeira. Não é mofo, nem antigo… Nem madeira encerada… É químico. 
Decanta-se. Respira.

1 hora depois:

Notas florais, muito a lembrar rosas. Aroma da água das rosas explícito. Aquela água no dia em que se colocam rosas em jarra numa sala! Uau. 46 anos! Estou estupefacto…

Prova de boca… tal é a curiosidade suscitada, que quase que se fala mais baixo para provar este vinho!
Acidez marcada, com notas metálicas muito evidentes e mineralidade. No entanto é perversamente elegante e equilibrado dando uma prova muito homogenea.
Fruta? Zero. Nem vê-la nem cheirá-la!! Nem sequer se imagina que um vinho pode ter fruta depois de andar a namorar os aromas deste copo. Fruta para quê?? Nadinha! Se muito, pois o nosso cérebro prega-nos destas partidas e procura referências que conheça e consiga indexar, encontramos lima na prova de boca e na parte frontal da língua. É o mais frutado que se consegue…
Granular na língua, extremamente sedoso e por estranho que pareça parece não ter tanino nenhum, mas a acidez é de tal forma peculiar que o tanino não faz falta. 
Volta e mais volta no copo e emergem aromas de algas, aquele aroma matinal quando a maré está vazia … aroma de amanhecer e caminhar perto do mar. Pelo menos é o que me lembra… caminhar no Paredão entre Cascais e S. João. Iodo ligeiro e muitas algas. Prova de boca consistente com sabor ligeiramente salgado.

Provar este vinho, lança-me para reflexões sobre a dureza com que estás uvas crescem, atlânticas, em solos arenosos… Literalmente arenosos, sem “mariquices” e apenas o essencial para que não sucumbam aos agrestes ventos e às humidades excessivas deste terroir… Infância e adolescência difícil, rude… E tal como no homem, com necessidades mas educação, produzem a idade adulta de sucesso, com personalidade e carácter majestoso. É o que este vinho é.
São 46 anos e o vinho está vivíssimo. Em prova cega, nunca, mas nunca diria que tem mais do que 20 ou 25 anos… É só de 1967…

E ele repousou, passou revoluções, emancipações, ciclos políticos e económicos e aqui aparece, do meio do nada, engomado, distinto e pronto para provas e avaliações de qualidade! 
Impensável comparar com o que se faz… É comparar um alfaiate tradicional com a Zara…e a Zara seguramente tem mais sucesso actualmente que o tradicional alfaiate. Dá que pensar. 
Acidez estonteantemente elegante. É ácido, mineral mas muito sedoso. A língua ressente-se mas fica com uma rudeza muito fina, muito salivar e extremamente gastronômica. Vinho para sonhar. 

Provador: Mr. Wolf

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